Autor: Guillem March
Cor: Guillem March e Tõni Lopez
Editora: Levoir
Introdução: Pedro Moura
Tradução: Pedro Cleto
Data da Edição: 2020
Edição original: 2020
Álbum cartonado: 160 páginas
ISBN: 978-989-862-870-7
Preço: 10,90 €
Dimensões: 175 x 246 mm
Este é o melhor livro desta série de Novela Gráfica.
O argumento está construído de tal forma que se pode
considerar divertido do ponto de vista de um ateu e fácil de integrar em todo os
que concordam com vida depois da morte e existência de entidades não físicas.
As personagens estão bem construídas sendo evidente a densidade
psicológica, designadamente das duas principais: Karmen e Catalina, mas também
de Xisco, que vai cruzando toda a obra e se pode considerar o catalisador da
ação, com os seus comportamentos, e das outras personagens que vão gravitando em
torno de Catalina.
O autor consegue manter-nos em suspenso até às últimas
páginas sem conseguirmos perceber o que acontecerá a Catalina: morre u sobrevive?
Essa capacidade de Guillem March é notável. Não dá pistas do que sucederá até a
decisão ser tomada. Mesmo a possibilidade de haver uma decisão, só se torna
visível já no decorrer da narrativa,
ficando-se no inicio com a sensação de que Catalina já está definitivamente
morta.
A personalidade de Karmen é interessante, com a sua rebeldia
e a sua autonomia, comparativamente com outros agentes que têm as mesmas
tarefas que ela: acompanhar os mortos nos seus momentos iniciais de transição
entre dois estados, e a sua supervisora.
Ao ler a obra a primeira imagem que me sobreveio foi a da
Morte, uma das personagens de Sandman. Também uma jovem fisicamente atrativa e
com alguma rebeldia. Mas se o autor se inspirou na personagem de Sandman também
não há qualquer problema. Ninguém cria a partir do vazio e as semelhanças
terminam aí. Nada aproxima esta história de um episódio de Sandman.
Este é o argumento mais original e melhor trabalhado desta
coleção.
O desenho é de qualidade e demonstra um trabalho apurado do
autor. Não é fácil manter a personagem principal nua do princípio ao fim da obra
e não deixar transparecer qualquer laivo de erotismo. Tem uma maior carga
erótica a figura em que se representa o esqueleto de Karmen, do que o corpo nu
da jovem Catalina.
March consegue usar de forma inteligente o tamanho e a organização
das vinhetas integrando-as no texto e contando história também apenas com os
desenhos. Não é indiferente para o fruir da narrativa se a vinheta é gigante,
se se sobrepõe a outra, se a figura ocupa simultaneamente mais do que uma
vinheta. Todas essas opções do autor estão na construção da estruturação de uma
obra muito bem desenhada e narrada do ponto de vista figurativo. Desde pequenas
vinhetas, com planos de pormenor, a vinhetas que ocupam as duas páginas, abarcando
planos, gerais tudo está harmoniosamente concebido e integrado.
As diferentes tonalidades que a cor dá nas vinhetas em cada
prancha, também ajuda a fazer o transporte entre locais, entre estados
psicológicos distintos, ou mesmo separando os diferentes episódios narrativos
que constroem todo o argumento.
O cenário de cada vinheta é muito bem trabalhado, enquadrando
as personagens e as suas emoções. O autor não só usa algumas vinhetas para nos
dar excelentes imagens da Palma de Maiorca, mostrando alguns dos locais
icónicos da cidade, mas também utiliza fundos abstratos em que pretende mostrar
o universo imaterial paralelo em que tudo se passará, como se fossem os
neurónios da mente das personagens. As legendas surgem neste tipo de vinhetas,
mas não só, causando no leitor a dúvida de saber se está na frente de um texto
de um narrador exterior ou se são os pensamentos das personagens que surgem nesta
forma.
Em toda a obra há um mínimo de legendas identificadoras do
lugar e do tempo.
Existem algumas onomatopeias, sejam de sons não humanos,
sejam de sons produzidos pelo corpo, alguns dos quais podem surgir em balões,
quando emitidos vocalmente.
Não se detetam símbolos cinéticos, que pareçam induzir os
movimentos dos seres, humanos ou animais, ou dos objetos, mas também não fazem
falta. Uma das qualidades do desenhador está na plasticidade que ele mostra nos
corpos, que associada ao modo como organiza as vinhetas e as cores, dá a
sensação do movimento que muitas vezes, outros autores, precisam de explicitar com
outros sinais.
A capa não dá nenhuma informação sobre o que se passará nas
folhas interiores A capa é uma imagem de Karmen, uma das duas personagens
principais. Aparentemente o autor, ao escolher o título e esta figura, pretende-a
colocar como primordial na obra Karmen, no entanto, se houvesse que eleger a
personagem principal, eu escolheria Catalina, pelas transformações que vai
sofrendo em termos psicológicos, sendo Karmen o elemento que mostra as
oportunidades onde Catalina pode evoluir. No entanto, tendo em consideração a
relação apenas com o título, a capa é perfeitamente adequada.
Pena este livro não apresentar alguns extras gráficos que permitissem
ver com evoluíram algumas das extraordinária pranchas que o compõem.
Conclusão
Livro a ler. Argumento, desenho e cor muito acima da média da
maior parte dos livros que vão sendo publicados em Portugal.
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