segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Análise crítica: Arde Cuba

 


Obra: Arde Cuba
Autor: Agustín Ferrer Casas
Editora: Levoir
Introdução: Rui Cartaxo
Tradução: Pedro Cleto
Data da Edição: 2020
Edição original: 2017
Álbum cartonado: 144 páginas
ISBN: 978-989-862-869-1
Preço: 10,90 €
Dimensões: 175 x 246 mm
 

Análise

O argumento paira num conjunto de contradições.

Parodia uma situação concreta de guerra e revolução. Nada contra. Há imensas paródias sobre guerras, sobre revoluções e sobre ideologias, mas assumem-se como paródia. O problema deste argumento está em querer ser sério, na abordagem das personagens, mas transformando tudo numa paródia.

Aborda as causas da revolução e o seu processo final de uma forma extremamente simplista e estereotipada, como no caso em que as guerrilheiras justificam a sua presença na luta, invocando motivações e uma atitude romântica muito pouco compatível com a realidade.

É uma abordagem ficcionada, de factos históricos, que se aproxima muito do precipício do malogro. Trata da tentativa de assassinato de Cienfuegos, fora do contexto em que a sua morte sucedeu, bastante depois da tomada do poder, e insinuando de forma muito evidente que a sua morte teria sido ordenada por Fidel Castro. A tentativa de assassinato de Cienfuegos fica descontextualizada no tempo e cria uma dissonância com os factos reais, uma vez que não se sabe se ele morreu de acidente ou se foi vítima de um assassinato. O autor toma uma posição clara sobre o assunto, insinuando uma neorrealidade a partir da sua ficção.

O decorrer da narrativa também não desenvolve bem todos os momentos. A aterragem da avioneta, após o ataque, e os instantes que se seguem, que seriam interessantes do ponto de vista narrativo escrito e, principalmente, visual, são excluídos, passando-se logo para o tempo após, sem que se perceba o que sucedeu antes.

Relativamente ao episódio apresentado como extra, não se entende a sua colocação. Não se percebe se fazia parte da narrativa principal e foi excluído, ou se foi construído propositadamente. Na verdade, numa ou noutra situação, nada acrescenta à história central.

As personagens surgem todas muito superficiais, sem grande densidade psicológica coerente, alterando comportamentos e agindo de modo inesperado. Talvez a mais consistente seja a personagem de Errol Flynn, mas a sua atuação na libertação do fotógrafo não traz nenhuma novidade narrativa, sendo perfeitamente expectável, e mesmo talvez a única possível, perante a personalidade em causa.

No que se refere ao desenho, nota-se um trabalho de pesquisa, aliás referido pelo autor, embora de modo que parece ficcionado, pois a entidade que cedeu as fotografias não existe, que permitiu fazer um retrato físico da Cuba do final dos anos 50.

No desenho, tirando o facto de os narizes serem todos muito parecidos, as personagens são bem distinguíveis umas das outras, embora se fique sempre com a impressão de excesso no volume da cabeça em relação ao tronco, opção que talvez não seja estranha ao facto de o autor tentar usar um traço levemente caricatural das personagens.

Agustin Ferrer Casas trabalha bem os cenários, colocando bastantes elementos descritivos dos locais onde as personagens se encontram, não se limitando, mesmo quando as figuras humanas ocupam o plano principal da vinheta, a colorir o fundo. Talvez seja o melhor elemento deste livro: os cenários.

Há recurso a onomatopeias, e, por vezes, a vinhetas sem texto, apesar de este surgir excessivamente, com diálogos muito extensos. Para contrabalançar esse excesso de texto, o autor consegue contar toda a história sem usar legendas, o que é um dos aspetos mais positivos da obra.

Para expressar emoções e o tom de voz, são usados diferentes tipos de letra nas falas das personagens, numa boa aplicação das técnicas narrativas da banda desenhada. Já o fundo de cor em alguns balões não mostra coerência, encontrando-se situações inexplicáveis em que os balões têm fundo colorido diferente do amarelo que caracteriza toda a obra. Se o fundo cor-de-rosa é entendível, já o fundo vermelho deixa algumas dúvidas sobre a sua aplicação nuns casos e a não aplicação em outros.

As cores são vivas, um pouco exageradamente, mas é uma questão de estilo, e cada autor é livre de usar a paleta de cores que pretende, desde que ela seja coerente em todo o livro e é esse o caso.

Existe no final um conjunto de páginas onde se tenta explicar a situação sociopolítica da revolução cubana e se faz a distinção entre as personagens reais usadas na ficção e as personagens do livro. O extra em banda desenhada apresentado já foi comentado anteriormente, e como extra não acrescenta qualquer valor à obra. Seria mais interessante encontrar alguns esboços dos trabalhos preparatórios do autor na construção do livro, ou até mesmo algumas das fotografias usadas como documentação bibliográfica.

A capa, embora possa ser associada ao título, poderia ser mais entusiasmante. Acaba para mostrar uma personagem, que apenas surge na obra para dizer que Cuba está a arder, seja na ação real seja metaforicamente. A capa traduz uma imagem de seriedade e sobriedade da obra que o argumento está longe de concretizar.

Conclusão

Não é um livro marcante, mas que acaba por se ler bem. O argumento é fraco, mas perfeitamente entendível. O desenho, não sendo extraordinário, é bom, e as cores, demasiado vivas, mantêm uma constância ao longo do livro que tornam a sua visualização agradável.


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