Argumentista: Hernán Migoya
Desenhador: Bartolomé Seguí
Editora: Levoir
Tradução: Pedro Cleto
Data da Edição: 2020
Edição original: 2019
ISBN: 978-989-862-872-1
Preço: 10,90 €
Dimensões: 219 x 295 mm
Análise
O argumento é uma adaptação de um livro de Manuel Vazquez
Montalban, mais concretamente de uma obra da sua série policial com o detetive
Pepe Carvalho.
Tratando-se de uma adaptação, não há muito a referir sobre o
conteúdo da narrativa, mas apenas da forma como ela se processa nesta forma de
a relatar: a banda desenhada.
Já tinha lido algumas obras desta série de Montalban, mais propriamente quatro, mas
nenhuma delas foi a que aqui é analisada. As leituras que fiz de Montalban
permitem-me, no entanto, ter uma ideia clara da forma como o autor conta as
suas histórias e das principais características psicológicas da personagem Pepe
Carvalho.
Essa aspeto da adaptação está bem feito. O Pepe Carvalho de
Hernan Migoya, o argumentista, respeita o perfil do detetive e narra no mesmo
estilo em que estão escritas as obras de Montalban. Mas se essa similitude é um
ponto forte da obra, porque nos aproxima do texto original, poderá também ser o
seu ponto fraco. Os livros de Montalban vão muito para além da narrativa policial.
Há todo um contexto social e comportamental de indivíduos, os quais, como que
por acaso, estão ligados a um crime. O crime quase que é o acessório, para
retratar a sociedade espanhola dos anos que se seguem ao fim da ditadura de
Franco, neste caso o livro é de 1977. E
fazer essa adaptação não é fácil. Tentar colocar todos esses elementos na
adaptação para banda desenhada, acaba, por vezes, por distrair o leitor do
seguimento do crime, por lhe colocar dificuldade em enquadrar todas as
personagens, que no texto original se espraiam ao longo das muitas páginas e
aqui, por vezes, surgem num sucedâneo que torna complexa a sua identificação e ligação
ao crime. Ou seja, o argumento é fiel a Montalban e à sua personagem, mas a
banda desenhada precisaria de extirpar alguns elementos da narrativa ou então associá-los
de forma mais eficaz às características gráficas da obra.
A necessidade de colocar bastante texto na obra levou, por
vezes, a dividir por legendas e balões palavras atribuídas à mesma personagem.
Como se umas fossem faladas e outras apenas pensadas. No entanto, nem sempre se
verifica essa situação. Quer uma forma, quer a outra de escrever o texto,
correspondem a palavras ditas.
O desenho segue um traço levemente caricatural que se aceita
perfeitamente. Tem também uma boa plasticidade que não transforma as
personagens em estátuas, mostrando que existe movimento. Alguns símbolos
cinéticos também contribuem para essa sensação de movimento, mas a forma de
Bartolmé Segui desenhar quase que os poderia dispensar. Também as onomatopeias
surgem de forma regrada no livro. As vinhetas sem palavras são quase
inexistentes, o que se transforma, como consequência, numa abundância de texto a
que o argumentista teve que recorrer. Tal abundância de palavras não minimiza o
desenho, nem transforma a obra num relato escrito ilustrado. A informação que
se colhe do desenho é também fundamental. O desenho complementa bem o texto,
acrescentando-lhe muitos pormenores que não estão escritos. Nesse aspeto o
livro está bem concebido. Há uma articulação e complementação da informação que
cada um dos elementos, texto e desenho, fornecem, constituindo-se o conjunto uma
boa narrativa gráfica.
O desenhador recorre a várias formas de organizar as
vinhetas na prancha, em função do que pretende transmitir. Podem surgir
vinhetas dentro de outras e vinhetas com diferentes formas, que indiciam a
importância de cada uma delas na prancha.
A grande quantidade de texto acaba por ocultar alguns dos
elementos cenográficos, mas mesmo assim é evidente a qualidade desses elementos,
alguns deles fundamentais para se perceber toda a abrangência da obra literária
original.
Um dos aspetos que os autores poderiam ter melhorado reside
na cor. Tratando-se de uma obra que decorre em duas épocas, poderiam os autores
ter optado por utilizar tonalidades diferentes, nas pranchas que narram
episódios dessas distintas épocas, de modo a serem mais facilmente
identificáveis. Também, embora na mesma época, os diferentes locais poderiam ser
melhor distinguidos pela diferente paleta de cores a usar em cada espaço. Não
foi essa a opção dos autores e a escolha que fizeram não facilita a leitura da
obra.
Aplaude-se a inserção do extra em que se relata o encontro
de Pepe Carvalho com Biscuter, até porque, de acordo com o texto que acompanha
esse extra, é a esta obra de Montalban que pertence o episódio.
Há, no entanto, alguns pormenores que o editor deveria ter
acautelado e que não são originais deste livro. Deveriam estar perfeitamente
identificados quem são o desenhador e o argumentista. Cada um cumpre um papel
diferente na obra e o leitor tem o direito de saber quem é o responsável pelo
trabalho que está a ler. Mais uma vez também não é revelado o título original
da obra, que é um elemento importante para se perceber se há adulteração da
ideia original do autor, ou se houve o seguimento do que este pretendia.
Conclusão
Obra bem conseguida. Trata-se de uma adaptação e é nessa
perspetiva que o argumento deve ser entendido. O desenho é de qualidade. A
utilização da cor poderia ser melhor.
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