segunda-feira, 8 de março de 2021

Análise crítica: Acender uma fogueira

 


Obra: Acender uma fogueira
Autor: Chabouté
Editora: Levoir
Título original: Contruire un feu
Tradução: João Miguel Lameiras
Introdução: Pedro Bouça
Data da Edição: 2020
Álbum cartonado: 88páginas
ISBN: 978-989-862-873-8
Preço: 10,90 €
Dimensões: 214 x 295 mm

 

Análise

A adaptação de um texto literário para a banda desenhada é sempre um risco, que reside em fazer apenas uma transcrição total das palavras originais, ilustrando-as. Essa é a opção de alguns autores portugueses que, pode render do ponto de vista comercial, em relação a algumas obras, mas que na perspetiva da narrativa gráfica é pobre, pois o texto possui toda a informação possível. A imagem não vem acrescentar nada de novo.

Há outras opções que passam por usar apenas parte do texto, ou então modificá-lo, extirpando-o de pormenores mais descritivos.

Chabouté segue um caminho diferente. Usa algumas expressões do texto original, mas modifica-o do ponto de vista da relação entre o narrador e a personagem. É como se Chabouté criasse um texto novo.

Chabouté consegue, usando um número não muito elevado de palavras, transferir para as páginas deste livro todo o conteúdo da obra de Jack London, e para fazê-lo usa a imagem. A obra está de tal forma estruturada, que se lhe retirássemos as palavras, toda a história era perfeitamente entendível e muitos dos sentimentos da personagem eram percetíveis. Alguma informação seria perdida, mas também dá para perceber que se, Chabouté quisesse, teria eliminado mais palavras, acrescentado mais imagens e a mensagem teria sido passada de modo claro e legível.

O desenho não tem muitos elementos paisagísticos, humanos ou animais. A paisagem é monótona: neve, árvores, um homem e um cão; e tudo gira em torno dos movimentos e gestos que o homem vai efetuando. O único corte com esta monotonia é o vermelho da fogueira, nas poucas vinhetas em que surge. Mesmo do homem pouco se vê. Todo o corpo está sempre tapado e apenas a boca, o nariz e os olhos são visíveis e são apenas os olhos que transmitem as emoções: desespero, medo, esperança, resignação.

O cão é apenas um elemento que mostra a desadequação do homem naquele habitat.

A maior parte das vinhetas encontra-se delimitada por um traço negro. Outras prolongam-se na vinheta seguinte, ou absorvem as limitadas por moldura, fazendo o leitor aproximar-se da cena ou a estender-se na paisagem criando uma maior distancia com os factos que estão a ser narrados.

As tonalidades usadas são muito constantes, evidenciando o tom acastanhado das roupas do homem na paisagem branca assim como a cor do fogo. A cor do cão, quase branca, mostra a sua adaptação ao meio em contraste com o homem.

O texto surge todo em legendas, dentro d emoldura, não existindo qualquer diálogo. As letras são pretas sobre um fundo branco, num tamanho e tipo que não dificultam a leitura.

O livro apresenta no final uma galeria de esboços, onde se pode apreciar algum do trabalho que Chabouté fez para realizar esta obra, e ainda uma pequena nota biográfica sobre o autor, escrita por João Miguel Lameiras.

O desenho da capa usa também a contracapa, e parece-me o ponto mais fraco do livro. Embora relacionado com o conteúdo da obra, não está ao nível de todo o conteúdo que cada um dos desenhos de Chabouté transmite.

Conclusão

Excelente trabalho de Chabouté. Dentro do género de adaptação de obra literária, é uma das melhores que já li. Bom trabalho no texto e no desenho criando uma harmonia perfeita.

Um livro a não perder.


1 comentário:

  1. Boa tarde, já há alguns anos que sou leitor assíduo do seu blog.
    E hoje ao ler este post, não resisto a pela primeira vez publicar um comentário, a felicita-lo pois as análises que faz, explanam exactamente o que penso e o que gostaria de saber dizer.
    As minhas melhores saudações
    Artur

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