Título original: Blake et Mortimet – Le dernier Pharaó
Argumento: Jaco Van Dormael; Thomas Gunzig; François Schuiten
Desenho: François Schuiten
Cor: Laurent Durieux
Editora: Asa
Edição: março de 2020
92 páginas – 85 com banda desenhada
ISBN: 978-989-23-4698-4
Preço: 10, 90 €
Dimensões: 202 mm x 288 mm
Análise
Este álbum não pretende ser parte
da série Blake e Mortimer. É
assumidamente um extra que não se enquadra, designadamente quanto ao trabalho
de desenho, no estilo que segue o traço de Jacobs.
Schuiten, num estilo totalmente
distinto de Jacobs e dos seus
continuadores, recria as duas personagens. Foge ao grafismo em que os rostos se
aproximam de um modelo semicaricatural, para usar um desenho de traço realista.
Blake e Mortimer surgem mais velhos, mas
apesar da mudança de estilo, os traços fisionómicos permitem identificar sem
dificuldade as duas personagens.
Os rostos das personagens parecem
muitas vezes sofrer de paralisia, pois as emoções não se manifestam. Os rostos
mantêm-se inalterados em muitas situações que justificavam diferentes
expressões. Schuiten não é um
desenhador de pessoas, embora em Cidades Obscuras tenha conseguido dar
uma diversidade de expressões faciais nos seus personagens, que não se verifica
neste álbum. Schuiten é um desenhador
de prédios e cidades e essa é mais-valia desta obra. Nos cenários das
diferentes vinhetas é o desenho dos prédios, dos seus interiores e exteriores
que se evidencia. Sempre que possível Schuiten
recorre à arquitetura para embelezar o fundo da vinheta e define bem as suas
dimensões sempre que os prédios e outras construções arquitetónicas têm que ser
desenhadas.
Apesar de os rostos não
contribuírem para elevar a qualidade do álbum, os grandes planos evidenciam
esta parte da anatomia humana. Ao desfolhamos as páginas são os rostos que marcam
as vinhetas. São eles que nos enfrentam no virar das páginas, contando a
história. Não se percebe se foi essa a intenção do desenhador, mas foi esse o resultado
do trabalho realizado.
Excetuando as situações em que há
a intenção de mostrar elementos arquitetónicos e urbanísticos, fazendo uso de
vinhetas maiores, não há criatividade no uso das mesmas e na alteração das suas
características clássicas para a construção do fluir narrativo. Não somos
surpreendidos com uma vinheta ou um conjunto de vinhetas que nos faça parar a
leitura.
A profundidade das cenas é
conseguida de modo muito efetivo. Para isso contribui um bom uso da sombra, que
permite identificar imediatamente os diversos planos que podem surgir nas
vinheta e as posições relativas dos vários objetos e personagens. Schuiten domina bem esta área do grafismo.
As molduras e as características
da letra usadas nos balões servem, por vezes, para demonstrar várias emoções ou
para sublinhar o tom de voz usado. Ainda no que se refere ao uso dos balões,
são usados no seu interior, algumas vezes, o ponto de interrogação e o ponto de
exclamação, com o objetivo de mostrar o espanto das personagens. Nota-se neste uso dos balões o domínio e o
uso das técnicas de comunicação em banda desenhada.
Ainda no que se refere à simbologia
própria da banda desenhada verifica-se a utilização de símbolos cinéticos, de
forma moderada, e de onomatopeias, estas em número reduzido, mas aplicadas de
forma coerente.
As vinhetas possuem balões e
legendas. Estas últimas são essenciais para compreender a narrativa. Só os
balões não conseguem expressar a história. Não estamos perante a continuação do
estilo Jacobs, mas mesmo assim, a
obra está bem guarnecida de legendas. As vinhetas que não têm balões, nem legendas ou
onomatopeias são em número muito reduzido, sendo evidente que não é objetivo
dos autores utilizarem este tipo de narrativa silenciosa, o que também já
acontecia com Jacobs e com os autores
que o seguiram na sequência principal de Blake
e Mortimer.
O argumento é o ponto fraco deste
episódio. Atribuído a três autores, é mal conseguido. Talvez a diversidade
autoral possa ser uma das razões. Cada um pretendeu deixar a sua marca e nota-se
a falta uma linha segura na narrativa, havendo várias distrações da via
principal da história que se pretende contar.
O argumento vai buscar as suas
origens a O mistério da Grande Pirâmide,
o episódio da série Blake e Mortimer
que mais usa e abusa do esoterismo, que acaba transportado para o presente
episódio, não combinando bem com a ficção científica em que se pretende centrar
o argumento. Esoterismo e ciência são duas palavras que não cabem na mesma
abordagem. Embora Blake e Mortimer
seja uma série de ficção científica, se os autores tivessem optado por seguir a
linha esotérica nada haveria opor, tanto mais que se está fora da série
principal, mas a mistura acaba por tornar o argumento difícil de entender, não
se percebendo onde acabam as manifestações esotéricas e onde começa a
especulação científica.
A remissão a álbuns publicados na
série Blake e Mortimer fica reservada
a O Mistério da Grande Pirâmide e ao
xeque Abdel Razek. Desta vez o sempre
omnipresente Olrik não surge na
história. Talvez os argumentistas tenham decidido que ele morreu na explosão
final de As 3 fórmulas do professor Sato.
Com tantos autores no argumento
há, no entanto, pormenores que não estão resolvidos. É completamente
incompreensível como é que Henri
conseguiu sobreviver dentro do prédio, fechado, até a parede se ter aberto pela
primeira vez, depois de ter ficado prisioneiro.
A radiação está muito mal
explicada. Como é que uma radiação desconhecida (desconhecida em que aspeto?) é
confinada tão facilmente. Também não é explicada de forma clara aquela emissão
clara em forma de feixe paralelo, tipo laser. Se a radiação interage com a
ionosfera da forma como é descrita, então que sucederia aos humanos que a ela
estiveram sujeitos? Aparentemente nada, o que é muito estranho.
A ficção científica tem que ser especulativa,
mas deve obedecer à ciência já conhecida na época em que decorre a ação. Neste argumento
surgem algumas falhas nessa área.
Uma outra falha do argumento reside
na dificuldade de localização temporal do episódio. Consegue perceber-se, pela
imagem em que se mostra a falha nos computadores em Londres, que os monitores
usados colocam o desenlace entre a segunda metade dos anos 90 e, talvez, os primeiros
anos do século XXI. Não há, no entanto, nenhuma forma de localizar o incidente
inicial, embora pelos automóveis que surgem na imagem, parece que terá que ser
já década de sessenta ou posterior. Com tanta informação escrita que é dada, a
localização temporal não deixaria de ser relevante.
O próprio ar juvenil da filha do
xeque não é facilmente compatibilizado com o tempo decorrido desde a data de O Mistério da Grande Pirâmide, a idade
que o xeque parece ter, e a época em que decorre o desenlace da atual ação
narrativa.
Outro aspeto inexplicável é a
tentativa de fazer explodir o comboio. Quem e porquê? Aparentemente os
habitantes de Bruxelas não pareciam querer acabar com a situação em que viviam.
Também por que razão se passaram
tantos anos até que se tenha decidido proceder a um ataque decisivo?
São muitas as interrogações que
mereciam resposta, e que deixam o argumento incompleto.
Conclusão
O episódio pode mostrar algum
interesse para os admiradores da série Blake
e Mortimer. Não porque tenha uma qualidade elevada, designadamente no argumento,
mas pela curiosidade de ver um desenhador como Schuiten a trabalhar a série.
Para um iniciado em Blake e Mortimer não é apelativo. Até
pode ser incompreensível pelas relações que estabelece com o Mistério da Grande Pirâmide.
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