Obra: Balada para Sophie
Argumento: Filipe Melo
Desenho: Juan Cavia
Cor: Juan Cavia, Sandro Pacuci, Santiago R. Villa
Data da Edição: setembro 2020
Edição cartonada
Editora: Tinta da China
410 páginas- 300 páginas com banda desenhada
Preço: 36,00 €
ISBN: 978-989-671-558-8
Dimensões: 176 x 258 mm
Análise
Não são todos os autores que têm
o privilégio de escrever um argumento que possa ser contado em 300 páginas.
Flipe Melo conquistou-o com todo o mérito devido aos seus trabalhos anteriores.
Conquistou-o e aproveitou bem
todas as vantagens que ganhou com essa possibilidade. Conseguiu construir uma
história onde as personagens fazem todo o sentido e onde o seu perfil psicológico
fica bem estabelecido. Não há ninguém que surja nesta história para fazer
número. Todos os intervenientes existem porque eram necessários para a história
ser contada. Se não estivessem lá, a história ficava pobre, e mais alguém
tornava-se excessivo.
Filipe Melo já tinha demonstrado
saber contar uma história longa em Os Vampiros, mas em Balada para Sophie
consegue espraiar a ação num longo período, que corresponde a uma vida, sem a
tornar numa sequência monótona de factos anedóticos. Todos os acontecimentos
estão de acordo com as personagens e confluem na prancha final da obra. E,
apesar de a identidade de Sophie poder ser adivinhada algumas páginas antes do
fim, Filipe Melo consegue surpreender com a prancha final. Inesperada, mas que
no conjunto da obra, se percebe que apenas podia ser aquela.
Desconhecemos a forma como o
argumento é construído e o modo como o argumentista se coordena com o
desenhador: se apresenta um modelo definitivo, se vai alterando com o decorrer
da execução do desenho ou se aceita sugestões do desenhador, mas nota-se uma
coerência que só é possível perante um argumento muito bem delineado, seja esse
trabalho feito de uma única vez ou vá sofrendo alterações.
A história consegue ser contada
com um mínimo de legendas. Estas surgem apenas muito esporadicamente e apenas
para identificação do tempo e do espaço. Está-se perante uma história em que o
desenho e argumento se complementam, e não um texto ilustrado, como muitas
vezes sucede em algums obras devido ao excessivo peso das legendas.
O traço, num estilo caricatural, repete
a fórmula já conhecida de desenhar de Juan Cavia, mostrando um trabalho cuidado
e com atenção aos pormenores. As fisionomias das personagens estão muito bem
estabelecidas, incluindo aquelas que vão envelhecendo com o decorrer da
história, e que continuam a ser perfeitamente identificáveis nos diferentes
tempos.
Nos cenários das vinhetas Cavia
tenta o equilíbrio, conseguido, entre situações em que os pormenores abundam,
com outras em que um fundo liso ou minimalista, leva o leitor a concentrar-se no
enredo, sem se perder na análise do desenho.
Na organização das pranchas, Cavia
não apresenta muitas surpresas, e aqui está-se perante ma das situações, em que
não se sabe qual a influência do argumentista, (decisão comum, do desenhador ou
do argumentista), com pranchas, na maior parte das vezes com três a cinco
vinhetas quadradas ou retangulares, separadas por elipses, com dimensões que permitem
a identificação clara de cada vinheta.
No entanto, em algumas páginas,
Cavia apresenta vinhetas que ocupam mais de meia página, dando realce a emoções
que tomam outra amplitude, na perspetiva do leitor, quando a dimensão da vinheta
aumenta. Há duas vinhetas de página dupla que são uma obra-prima, designadamente
aquela que representa o delírio de uma das personagens.
No que se refere às elipses
existem páginas com fundo preto, em vez do branco das restantes, com a elipse a
ser negra e usando uma paleta de cores mais fortes.
Essa quebra de ritmo visual é
positiva, ajudando a manter o leitor concentrado.
A escolha da tonalidade, não só
do fundo de página, mas das vinhetas, serve também para referenciar, alterações
de locais, de tempo e de sentimentos
associados às personagens ou aos atos que são narrados.
Cavia usa mais alguns dos
recursos da banda desenhada. Além das características das elipses, existem
pranchas onde o desenhador junta as imagens, sem a zona separadora, dando-lhe
uma sensação de continuidade que não surge na presença da elipse, o que permite
ler a página em diferentes sentidos. Na construção das pranchas usa as vinhetas
de menores dimensões para grandes planos, e as de maior dimensões quando quer
mostrar planos de conjunto ou planos gerais.
Já no que se refere a signos
cinéticos, estes não se encontram na obra, e as onomatopeias são usadas de
forma muito moderada. Os formatos dos balões e o tipo de letra usada no seu
interior servem para demonstrar emoções das personagens, como gritos ou
insultos.
Não usando nesta obra longas sequências
de vinhetas sem palavras, nota-se no entanto que Cavia usa esse recurso algumas
vezes, levando o leitor a ter que recriar um texto que não existe, numa
obrigatoriedade de ler o desenho e a sequência das imagens.
Algum do texto não surge em
balões tradicionais. Há caixas que poderemos considerar balões, embora sem
apêndice, pois comportam texto em que a personagem narra usando as imagens das
vinhetas tempo os factos decorridos. Trata-se de um recurso que o autor usa
para colocar a personagem a falar sem o balão tradicional.
Conclusão
Sem dúvida que se está perante
uma obra de banda desenhada ou literatura gráfica, para quem prefira estes
termos, excelente, numa construção que obriga à leitura comum do desenho e do
texto, de tal modo eles se complementam. Espera-se pelo próximo livro desta
dupla, pois todos os trabalhos até agora publicados revelam qualidade superior.
Uma leitura que vale a pena
fazer.
Uma pergunta final. Para quando a
edição com uma gravação da balada?
Muito bem analisado, muitos parabéns Paulo.
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