sexta-feira, 9 de abril de 2021

Análise crítica: Planeta Psicose

 

         

         Obra: Planeta Psicose
Autor: Ricardo Santo
Editora: Escorpião Azul
Data da Edição: 2020
Álbum brochado: 72 páginas
ISBN: 978-989-548-741-7
Preço: 13,50 €
Dimensões: 169 x 239 mm

 

Análise

O livro é apresentado como contendo um conjunto de histórias curtas, e quando se consulta o índice é isso que se deteta. No entanto, é o conjunto que faz sentido. Embora Psycotropic Revelution e Fernando & Joel contra os donos desta porra toda possam funcionar de modo autónomo, já Dissonâncias Cognitivas Parte I, Dissonâncias Cognitivas Parte II e Dissonâncias Cognitivas Parte III só fazem sentido se apresentadas no seu conjunto. Aliás estas três histórias são a base de sustentação do livro, onde podem ser inseridos, de modo intercalar os dois episódios curtos. Pode comparar-se a um longo romance, em que na trama principal se incluem episódios autónomos.

Psycotropic Revelution e Fernando & Joel contra os donos desta porra toda poderiam surgir publicados individualmente, mas é a apresentação no conjunto que lhes dá coerência. Nesta perspetiva de construção narrativa esta é uma obra bem conseguida.

O argumento funda-se nos grupos anticiência e nos adeptos das teorias da conspiração, imaginando um planeta em que as suas ideias são reais. Um tema trabalhado com muito humor, que decerto não será apreciado pelos leitores defensores de tais ideias, que tomarão a ficção irónica por um retrato concreto das suas alucinadas ideias: a prova concreta de que estão certos.

Alguns dos elementos narrativos têm muita ligação ao universo político e social português, o que, se torna a obra mais familiar para o leitor luso, a tornará pouco percetível se for lida por um estrangeiro. Mas como o autor, provavelmente, apenas construiu os episódios para o universo português, a situação não se colocará.

O autor recorre a pranchas em que as vinhetas não seguem uma estrutura regular, adaptando-as ao fluir narrativo, enquadrando deste modo situações mais estática e outras mais movimentadas harmoniosamente. Apesar dessa variedade de construção de pranchas, nunca surge ao leitor dúvida sobre a sequência que deve seguir na leitura das vinhetas.  A leitura vinheta a vinheta não é a única, porque sempre que se vira a página, talvez devido às dimensões do livro, sente a necessidade de fazer uma leitura integral da página e ver toda a estética desta na conjugação das diferentes vinhetas.

A interpretação de Dissonâncias cognitivas não é fácil e só o conjunto das três partes, permite entender perfeitamente o que o autor pretende. Não deixa de ser uma característica positiva do livro, pois é na última página que se entende todo o alcance das histórias sem palavras que ocupam uma parte significativa do livro. Um dos problemas das histórias sem palavras reside no facto de muitas vezes ser difícil entrar na cabeça do autor. Neste caso consegue-se, mas só no fim, pelo que se aconselha que que, quando se chega à última prancha se leiam novamente as três Dissonâncias Cognitivas, porque a apreensão que o leitor fará, será, sem dúvida, diferente.

O número de vinhetas por página é muito variável. Desde a vinheta única da última página até às oito, o número vai variando, em função do ritmo narrativo que o autor pretende dar.

Um pormenor torna este livro muito elitista. Surgem onze vinhetas com os balões escritos em inglês, sem aparecer a tradução em rodapé, ou numa página final, como muitas vezes acontece nas situações em que se justifica que algumas personagens apareçam a falar outra língua, como é o que sucede neste caso. Essa falha leva a que apenas quem seja fluente no inglês leia e entenda esta parte argumento. O texto longo nesta língua não permite a um desconhecedor, e são a maioria dos portugueses, ler devidamente esta história. Há mais mundo do que aquele das pessoas que sabem inglês. Todos os outros também mereciam ter direito a ler este livro. Se houvesse uma nova edição, o autor poderia corrigir esta situação, tornando a leitura do livro acessível a todos.

As vinhetas não têm moldura, encontrando-se geralmente separadas das vizinhas por um espaço em branco. Em algumas situações, poucas, ocorrem algumas sobreposições de desenho ou de balões. Dos cinco episódios citados Dissonâncias Cognitivas não tem texto, surgindo algumas poucas palavras escritas, integradas nos desenhos, como em cartazes, legendas de gráficos ou identificação de edifícios. Nas outras duas histórias predominam os balões, conseguindo juntar-se ao texto escrito, toda a informação que a imagem transmite. Excetuam-se a esta situação as legendas que surgem para localizar espacialmente a ação.

O autor recorre com frequência a onomatopeias, com as quais pretende facilitar a leitura da narrativa, assim com a símbolos cinéticos que ajudam a percecionar o movimento. Essa perceção é muita facilitada pela técnica de desenho que o autor utiliza: seja com veículos em movimento a fazerem a diagonal da vinheta, seja pela própria vinheta surgir posicionada diagonalmente.

O desenho, embora caricatural, surge com os corpos bem desenhados e proporcionais e, embora, muitas vinhetas tenham por fundo uma mancha colorida a uma ou mais cores, também em muitas outras os cenários mostram o trabalho do desenhador: sejam eles internos ou de paisagens.

Embora se leia de modo bastante fácil com as letras negras em fundo branco, o tipo utilizado coloca-as muito próximas umas das outras. Talvez tenha sido uma necessidade, para não construir balões muito grandes quando o texto é mais extenso.

As cores são genericamente suaves, exceto o vermelho que surge por vezes muito vivo. Não sei se é uma opção do autor, mas não parece que fosse necessário numa obra que cromaticamente é muito harmoniosa.  

A capa é muito boa, mostrando bem o que se passa no interior do livro, havendo ainda uma ilustração suplementar, também adequada, na contracapa.

As páginas 2 e 3 e 68 e 69 tem um conjunto de desenhos que se deve olhar antes e depois da leitura, mostrando algumas das personagens que surgem na obra. Também um texto escrito por Ricardo Santo, à guisa de introdução, deve ser lido, porque ajuda a entrar no livro, que não tem uma entrada fácil.

Conclusão

Trata-se de um livro interessante, embora com o argumento muito marcado por factos atuais, que o pode tornar obsoleto em poucos anos. Mas essa marca temporal, também pode ser interessante de revisitar num tempo futuro. Não aconselhado a quem não ler inglês, o que o transforma num livro que não capta muitos leitores, o que é uma necessidade da banda desenhada. No entanto, não é com vinagre que se apanham moscas.

Aconselho a leitura a quem gosta de banda desenhada de qualidade.


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