domingo, 15 de agosto de 2021

Análise crítica: O burlão das Indias

 

           

            Obra: O Burlão das Índias
Título original: Les Indes fourbes
Argumento: Alain Ayroles
Desenho: Juanjo Guarnido
Editora: Ala dos Livros
Data da Edição: 2021
Álbum cartonado: 160 páginas
ISBN: 978-989-54726-8-0
Preço: 32,00 €
Dimensões: 341 mm x 252 mm

 

Análise

Esta obra pretende dar continuidade a um livro publicado em Espanha no século XVII, a que, na época, o autor prometia dar seguimento. El Buscon era esse livro, presume-se que da autoria de Francisco Quevedo, uma criação nunca assumida, talvez por causa da Inquisição. El Buscon não teve continuidade e Alain Ayroles decidiu criar uma possível sequência à narrativa original.

Tal como o livro publicado, a continuação divide-se em três capítulos. Há algum desequilíbrio na forma como a história é contada. Existe um excelente primeiro capítulo, que narrado por Dom Pablos, o protagonista, leva o leitor a mergulhar na obra, sempre na procura da página seguinte. O segundo capítulo desce de qualidade. A perspetiva do narrador é outra, surgindo mesmo legendas narrativas de um segundo narrador, enquanto no primeiro esse papel cabe à personagem principal. É um capítulo que se torna monótono, sem o ritmo que a primeira parte imprimira. No terceiro capítulo há uma tentativa de retomar o ritmo do primeiro, mas a forma como a narração se desenrola não o permite.

Existe um epílogo que ficaria melhor integrado, se nele constasse o episódio final entre o burlão e o rei, deixando a história por aí.

Saliente-se que neste trabalho de banda desenhada que há uma referência muita direta ao pintor Velasquez, e ao seu famoso quadro As meninas.

A linguagem, que no primeiro capítulo tenta ser uma sequência do estilo da obra original, perde-se nos capítulos seguintes. No segundo capítulo porque quase tudo se desenrola em diálogos, e no terceiro porque os diálogos, também muito abundantes, perturbam o estilo do capítulo inicial.

O desenho apresenta um estilo próximo da caricatura, com os rostos a não apresentarem características reais, surgindo com deformações que acabam por ajudar a distinguir e a identificar as personagens.

Bem desenhado, aproveita bem a caricatura dos rostos para expressar emoções, não exagerando, dando sempre a impressão que o desenho é totalmente realista.

Guarnido utiliza sempre que necessário símbolos cinéticos e algumas onomatopeias. O formato dos balões e a letra são utilizados para exprimir os gritos, a alegria e todos os outros estados de espirito que percorrem as personagens. A parte que é narrada por Pablos surge em legendas, com o fundo amarelo, permitindo distinguir o narrador. No segundo capítulo apesar de se estar perante outros narradores, as características da legendagem mantêm-se.

Existem vinhetas de muitos tamanhos, com Guarnido a utilizar bem a sua distribuição nas páginas, para prender o leitor na sequência narrativa, mantendo sempre uma qualidade elevada quer a vinheta seja pequena, como quando numa prancha, por exemplo, se ultrapassam as 10 vinhetas, ou num vinheta de dupla página onde mostra ao leitor a sua versão de El Dorado, que surge com uma arquitetura demasiado helénica. O desenhador poderia ter arriscado um pouco mais nesta gigantesca vinheta.

Surgem longas sequências de páginas sem palavras, com a imagem a compor toda a história, que apesar dessa característica, apenas pictórica, se consegue compreender de forma admirável. Uma das sequências mais importantes é a que se encontra entre as páginas 67 e 77, que descreve a chegada a El Dorado e os acontecimentos que se seguiram.

As vinhetas tanto surgem perfeitamente definidas, quase sempre, como o desenhador as apresenta sem separação, ou então integradas umas nas outras, conseguindo desse modo dar a sugestão de confusão e de pensamentos pouco claros por parte do narrador.

A cor é de Guarnido, com exceção de algumas poucas páginas. A análise dessas páginas não permite identificar nenhuma técnica diferente, nem a razão que levou a optar por Jean Bastide para fazer a coloração.

A edição é de muito boa qualidade, tendo o papel uma espessura que não permite transparências, o que se pode notar no peso do álbum, e com uma textura que permite distinguir bem as cores, não as tornando demasiado vivas.

A capa está perfeitamente adequada à obra, dando o devido e único relevo a Dom Pablos.

Conclusão

Uma obra a ler, que merece ser guardada, para lá se regressar regularmente.


Sem comentários:

Enviar um comentário