Obra: O grito de Moloch
Título original: Blake et Mortimer 27 - Le cri du Moloch
Argumento: Jean Dufaux
Desenhos: Chistian Cailleaux e Éttienee Schréder
Cor: Laurence Croix
Edição Cartonada
Editora: Asa
Ano 2020
56 páginas- 54 contendo o episódio.
Dimensões: 309 mm x 236 mmm
ISNN: 978-989-23-4957-2
PVP : 15,90 €
Há uma edição limitada com capa especial e outro ISBN
Análise:
Este álbum deve ser entendido como uma continuidade de “A Onda Septimus”, pois usa as personagens e o ambiente cénico e social desse episódio, embora possa ser lido também de modo autónomo, ficando, nessa situação, por compreender alguns elementos da narrativa. Considerando que “ A Onda Septimus” já surgia na sequência de “ A Marca Amarela”, estamos perante um conjunto que une estes três episódios. Para uma melhor compreensão de todos os factos narrados, também será importante ler “O mistério da Grande Pirâmide” que também é referido no episódio agora em análise.
O argumento, que normalmente é o fator
que marca o sucesso ou insucesso de uma banda desenhada, a não ser que se
esteja perante um desenho horrível, é um dos aspetos mais negativos deste
episódio.
Começa pelo recurso ao
esoterismo. Este foi um dos aspetos ficcionais que Jacobs usou em “ O Mistério
da Grande Pirâmide”, e posteriormente como solução para resolver o enredo de “A
Marca Amarela”; mas, depois, abandonou-o. E provavelmente tê-lo-á feito porque
a ficção científica e o espírito analítico de um cientista não são compatíveis
com “palavras mágicas”. Na fase Blake e
Mortimer, posterior à morte do seu criador, houve mais alguns argumentistas que
recorreram a este efeito, mas, na verdade, apenas estiveram a tirar valor a uma
série, que no campo da ficção científica marca pontos, e que os perde quando
entra nesta área ficcional. O episódio fica com mais características para ir
para uma das revistas típicas dos anos 70 e 80 sobre esta temática: “ Creepy”
ou as portuguesas “Terror” e “Zakarella” do que para fazer parte de uma série
de ficção científica, que tem de abordar assuntos de ciência, sejam eles reais
ou imaginados.
Como série esotérica este
episódio convence, do ponto de vista da ficção científica, mesmo esquecendo as
incompatibilidades entre esoterismo e ciência, é medíocre.
Na sua globalidade o argumento é
uma “boa ideia”, mas como acontece quase sempre que se utiliza esta qualificação,
significa que se está perante algo que falhou.
Falhou no que se refere ao
contexto esotérico e falhou em várias partes pouco desenvolvidas ou não
explicadas. Não se explica como ocorre a incorporação. Por um lado é física mas
parece ocorrer numa perspetiva psicológica, havendo aqui contradições. Uma das vinhetas
parece mostrar a destruição física do hospedeiro, quando surge uma língua “anormal”
na boca do incorporado, com o risco de sufocação, mas, no entanto, não há
qualquer notícia de destruição de órgãos quando o cadáver do corpo ocupado aparece.
Também a partida dos extraterrestres
merecia melhor explicação. Demasiado fácil para ser aceite. A razão da atitude
de Orfeu não é explicada. Qual a razão para destruir a civilização humana? Mata
só porque quer matar?
Ainda em relação ao argumento,
uma última crítica. Voltar sete anos mais tarde à continuação de um episódio,
quando já foram publicados mais quatro volumes de três episódios diferentes,
apesar das pontas soltas deixadas por “A Onda Septimus”, é muito tempo decorrido
e a edição fica desadequada. Justificava-se esta publicação se houvesse uma
qualidade extraordinária na continuação, o que não é o caso.
O número de vinhetas por página,
embora superior ao do episódio “A Onda Septimus”, que teve uma média de 9,5
vinhetas por página, fica na média da série, 10,7 por página. Nesta perspetiva é no um episódio que se
enquadra no espirito da série, com um elevado número de vinhetas em cada
página.
A relevância dos personagens
principais no argumento colocam Blake e Mortimer em igualdade de circunstâncias
no que se refere a presenças nas vinhetas, com um ligeiro ascendente de Blake
relativamente a Mortimer, tal como sucedera em “A Onda Septimus”. Já quanto a
Olrik, dada a sua relevância do desenlace do episódio, merecia maior destaque
no desenvolver do argumento, com uma presença mais frequente ao longo das
várias páginas. A sua presença em apenas 14% das vinhetas não é adequada ao
importante papel que desempenha.
Nos pormenores de desenho há três
que quero referenciar. O circulo em torno do M
na camisola de Olrik, surge quase sempre aberto, mas também surge
fechado, o que é uma incoerência. Também as cores da bandeira britânica no
uniforme de Blake, na sequência, vermelho, branco, azul, branco, vermelho,
merecia melhor tratamento, pois nem sempre são visíveis todas as cores nem surgem
com as mesmas dimensões relativas. Finalmente, o casaco que a rainha veste na audiência
no palácio, parece ter na gola algo estranho. Se por um lado aparenta não ter
gola dobrada, na vinheta em que abandona a sala, esta parece surgir com uma
forma inadequada ao que se vê anteriormente, não se percebendo como poderiam
surgir nesta gola os elementos desenhados nas vinhetas anteriores.
Um dos maiores problemas
relativos ao desenho, excluindo os anteriores que não afetam significativamente
a globalidade da obra, surge com as fisionomias.
A da rainha surge com problemas
de falta de semelhança com a própria, na época em que decorre a ação, e que é
possível analisar com facilidade, dada a profusão de fotos que existe da sua
coroação, ocorrida em 1953. Há diferença significativa entre o rosto que é proposto
no desenho e o da própria rainha, sendo a personagem mais facilmente
identificável pelo estilo de vestuário do que pela fisionomia. Não há também
constância nos seus traços fisionómicos. Tanto surge um rosto jovial, com cerca
de 30 anos, como por vezes parece ter 50.
Esta incapacidade de adequar os
traços à idade da personagem, também se verifica, por vezes, com o professor
Mortimer, que em algumas vinhetas parece aparentar uma idade superior àquela
que teria nas restantes.
Já o rosto de Churchill parece
muito melhor conseguido. Também facilmente atribuímos o desenho à personagem,
sem ligar muitos aos traços. A estrutura física, o cachimbo e a alopecia
descrevem facilmente o primeiro-ministro britânico da época.
Uma outra situação ocorre neste
livro ainda no que concerne às fisionomias. Os autores mostram dificuldade em
expressar as emoções das personagens. Apesar de o conseguirem algumas vezes, na
maior parte das situações ficamos perante uma “poker face” pouco compatível com
a qualidade que se pretende na continuidade gráfica desta série criada por
Edgar Pierre Jacobs.
O fundo das vinhetas apresenta-se
demasiadas vezes entre o verde e o um tom azulado, que o afastam ligeiramente
dos episódios a que pretenderia dar continuidade “A marca amarela”, marcada por
tons mais escuros, e, especialmente, “ A onda Septimus”, que assenta em
tonalidades mais claras.
O cenário das vinhetas poderia
ser um pouco mais enriquecido, seguindo na esteira de Jacobs, nomeadamente nas
suas principias obras, mas o aspeto menos positivo, entenda-se que não quer
dizer negativo, está no traçado demasiado limpo e assético, designadamente das
linhas urbanísticas, mas não só. Falta a imperfeição, alguma” sujidade”, mais
curvatura, que aproxime o cenário do estilo do de Jacobs. Não podemos esquecer
que esta continuação da série pretende imitar o estilo do seu criador, não
pretendendo fazer uma reinvenção das personagens ou do ambiente.
A sombra no desenho nem sempre é
muito bem tratada pelos desenhadores. Na primeira vinheta da prancha dezasseis
a face direita de Bronstein, num plano paralelo das costas dos outros dois
cientistas, surge iluminada, ao contrário das costas destes, o que não é muito
coerente com a posição de onde vem a luz que ilumina a cena. Também existem vinhetas
onde surge a sombra, mas outras em que não há qualquer sombra, apesar da fonte
de luz da cena não estar sobre as personagens, revelando alguma incoerência estilística.
Existem obras em que a sombra é usada para realce de algumas personagens, mas
neste caso, a presença ou ausência da sombra, não está associada a esse
elemento narrativo.
A letra é legível, embora muito
pequena, não criando, no entanto, dificuldades na leitura. Há muito texto, uma
característica da obra de Edgar Pierre Jacobs. Não há constância na intensidade
do texto, mas essa particularidade também já se notava em Jacobs, não só em
cada um dos episódios, mas numa evolução que o foi levando, com o tempo, a
diminuir a quantidade de palavras que usava.
O texto surge em balões de forma
retangular, aparecendo múltiplas legendas: enquadradas em caixas de texto sobre
as vinhetas, abaixo das vinhetas, lateralmente e também dentro das próprias
vinhetas. Há, raramente, legendas sem enquadramento de uma moldura.
Existem vinhetas com símbolos cinéticos
com os quais se pretendem evidenciar alguns movimentos, assim como outra
simbologia, que pretende mostrar emoções, como surpresa: trações radiais
envolvendo a cabeça. Surgem também elementos de pontuação ortográfica dentro
das vinhetas, como representação emocional.
Uma nota final para a editora,
que na contracapa continua a insistir em colocar “O Raio U” como um episódio de
Blake e Mortimer. Que pretendem? Levar à compra por quem não conheça?
Não é preciso. A obra é interessante
por si mesma.
Conclusão.
Quem vai à procura da
continuidade de Jacobs, ou de alguns autores posteriores, ficará um pouco
desiludido com este episódio, que baixa a qualidade média da série, tanto no
argumento como no desenho. Pode ser interessante para um iniciado em Blake e
Mortimer, que não vá apenas em busca de
uma série de ficção científica, mas para quem já conheceu todos os episódios
anteriores, fica alguma deceção, ficando este livro em “mais um” que se compra
para a coleção ficar completa.
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