segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Análise Crítica:Andanças e confissões de um homem em pijama

 


Obra: Andanças e confissões de um homem em pijama
Título original: Andanzas de un hombre en pijama e Confessiones de un hombre en pijama
Autor: Paco Roca
Editora: Levoir
Prefácios: Leopoldo Manuel Jesus Gonçalves , (da edição portuguesa); Fernando Marias (da edição de Andanzas de un hombre en pijama)
Data da Edição: 2020
Álbum cartonado: 144 páginas
ISBN: 978-989-862-875-2
Preço: 10,90 €
Dimensões: 225 x 276 mm

 Análise

Estamos numa situação de dois livros publicados independentemente e agora editados num único volume, embora seja perfeitamente explícito, com dois índices diferentes, a divisão entre as duas obras. Uma editada em 2014 e outra em 2017.

Qualquer uma das duas partes em que se divide este livro é constituída essencialmente por um conjunto de pequenas histórias publicadas originalmente no El Pais Semanal  e também em Academia-Revista-Del Cine Español, no segundo livro, não sendo relevante fazer a análise do argumento, enquanto individualização de cada uma das narrativas apresentadas. A análise terá que ser sempre feita em termos globais.

A maior parte das histórias têm duas páginas, havendo três, uma na primeira parte e outra na segunda, que foram feitas propositadamente para as edições dos livros originais, que excedem esse número de páginas, assim como o último episódio da segunda parte que também tem um número de páginas superior.

Não é o facto de as histórias terem mais ou menos páginas que torna os argumentos melhores ou piores. Um argumento se for sólido, com princípio, meio e fim, não depende da sua extensão. Em todos os episódios se percebe um argumento completo, com todos os elementos necessários à sua compreensão.

Tendo uma parte significativa dos episódios conteúdos de caráter científico e económico é evidente que existe um aconselhamento técnico por parte de especialistas para que o argumento não seja incoerente, o que Paco Roca reconhece com a citação das pessoas que o ajudaram na aquisição dos conhecimentos necessários na elaboração de temas mais especializados.

As características humorísticas dos episódios poderiam levar a pensar numa leveza textual que não existe. Demora-se tempo a ler o livro e um dos aspetos que condiciona esse tempo de leitura é a quantidade de texto e a densidade do mesmo. Existe muito texto e com conteúdo que precisa de tempo ser assimilado. Não é possível fazer uma leitura “em diagonal” das palavras que Paco Roca escreve em legenda nas suas vinhetas. Texto esse que surge, na maior parte das vezes no cabeçalho da vinheta, sendo o seu aparecimento em rodapé mais raro, seja isolado ou em complemento ao que já está escrito na parte superior da vinheta.

Com tanta relevância nas palavras poderia pensar-se que estamos perante um texto ilustrado e não numa banda desenhada. Errado. Paco Roca, escrevendo muito, consegue, quase sempre, fugir a essa armadilha. Muitas das vinhetas são compostas por imagens que completam o texto e não são apenas uma ilustração do que está escrito. Há informação na imagem que vai para além da legenda. Os próprios diálogos também, muitas vezes, acrescentam elementos, normalmente os humorísticos, em relação ao texto mais informativo das legendas. A qualidade do autor mostra-se bem nesta fuga àquilo que poderia transformar cada episódio num somatório de cartunes sobre um assunto.

A publicação num periódico tem as suas regras e limita a forma como as pranchas são construídas. A matriz 3x3 é quase constante, sendo quase inexistentes as fugas a este padrão, com alteração do tamanho das vinhetas. Já nas histórias desenhadas propositadamente para o livro, Paco Roca, apesar de manter esta grelha, faz algumas pequenas variações. Provavelmente a necessidade estética de manter um padrão que identificasse a obra enquanto livro uniforme, levou-o a não perturbar demasiado essa imagem de continuidade que vinha dos episódios desenhados para os periódicos. Entende-se esta opção neste contexto de construção de uma homogeneidade visual. No entanto é nestas histórias que Paco Roca se aproxima mais da banda desenhada enquanto relato sequencial e ficcional, e melhor explora os recursos desta arte.

Não tendo alternativas para modificar a organização das pranchas e das vinhetas, quanto ao texto que pretende transmitir, Paco Roca usa a cor de fundo para transmitir emoções, mudanças de tempo, de espaço, ou mesmo para serem percecionadas, em muitas situações, se pensarmos num romance, como sendo o parágrafo de um texto.

As vinhetas não possuem cenários pormenorizados. Sendo o texto o elemento principal da mensagem a transmitir, assim como a ação da personagem principal ou o elemento pictórico  da vinheta que surge em primeiro plano, Paco Roca, no entanto, não despreza o fundo. Não se limita a colocar uma cor de preenchimento. Consegue realizar um equilíbrio entre esses elementos gráficos principais e aqueles que apenas completam o desenho, contextualizando a ação num cenário minimamente descritivo.

Os episódios que menos legendas possuem são aqueles que não foram publicados em El País Semanal. Nos episódios desenhados propositadamente para o livro, Paco Roca, não fugindo á temática geral, que mostra a visão do mundo, de um desenhador introvertido, centrado muito na sua mesa de desenho e vendo toda a humanidade desse local, constrói argumentos mais fluidos, mais assentes nos diálogos e, como tal, de leitura mais fácil. A última história do livro, que não está amarrada aos limites de El Pais Semanal, é mesmo aquela que mais foge ao caráter informativo, às vezes um pouco doutrinário, de muitos dos episódios. Esta classificação de doutrinária só torna a obra melhor, pois independentemente da concordância ou discordância com a posição defendida pelo autor, esta mostra que tem opiniões, que as fundamenta, que as sabe transmitir, o que consegue fazer de modo claro e utilizando o humor.

Apesar do muito texto que existe em cada vinheta, este distingue-se perfeitamente do que está escrito nos diálogos das personagens. Enquanto as legendas se encontram escritas sobre o fundo da cor da vinheta, os diálogos surgem em fundo branco, não deixando margem a qualquer confusão que pudesse existir. O tipo de letra e o tamanho são adequados à leitura, excetuando-se uma vinheta do episódio A cadeira incómoda, onde o preto das letras sobre um fundo verde, demasiado escuro, não torna a leitura fácil. Não fosse esse pormenor e poderia afirmar-se que neste aspeto a obra era perfeita.

A capa do livro foi bem escolhida. Adequa-se ao aspeto introspetivo que o autor pretende mostrar do narrador, nos aspetos em que analisa a sua personalidade, seja pelos atos que produz na interação com os outros, seja pela interpretação que faz das relações sociais.

Existe informação sobre a origem dos episódios publicados, assim como os já referidos índices.

Existem dois prefácios. Um da obra portuguesa, da autoria de Leopoldo Gonçalves, que se apresenta mais técnico e assente na relação entre esta obra e as restantes que Paco Roca já publicou, e um segundo, referente apenas à publicação em castelhano de Andanças de um homem em pijama, escrito por Fernando Marias. É um prefácio interessante, pois consegue, sem nunca falar do autor, sem nunca se referir à obra, criar no leitor, a necessidade e curiosidade de ler Paco Roca.

A indicação final das outras obras de Paco Roca publicadas pela Levoir é simpática para o leitor que pela primeira vez contacta com Paco Roca, mas fica desde já o aviso para esses leitores:  os restantes trabalhos de Paco Roca estão muito afastados em termos temáticos deste livro que aqui se analisa.

Conclusão

Numa obra que consegue traduzir para banda desenhada muitas opiniões que por vezes surgem apenas em cartunes, Paco Roca consegue de modo bem-humorado, levar-nos não só a pensar sobre o que fazemos enquanto indivíduos, através das nossas rotinas diárias e das interações com os que nos estão mais próximos, mas também nas nossas relações com a sociedade, em termos mais abstratos, sempre através de ações que são bem reais.

Uma obra para se ler devagar.

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