terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Análise crítica: Bordados

 


Obra: Bordados
Título original: Broderies
Autor: Marjane Satrapi
Editora: Levoir
Introdução: Joana Fernandes
Tradução: João Miguel Lameiras
Data da Edição: 2020
Edição original: 2003
Álbum cartonado: 130 páginas
ISBN: 978-989-862-868-4
Preço: 10,90 €
Dimensões: 217 x 295 mm

 Análise

Bordados roda em torno da palavra que titula o livro. E logo no inicio são apresentadas as três aceções da palavra que se constituem no cerne deste livro.

1- Adorno de tecido ou uma pele com estrutura feita em relevo.

2- Fofoca. Difusão ou narração de mexericos ente várias pessoas.

3- Reconstrução cirúrgica do himen para simular a conservação da virgindade.

Estes significados são válidos para a cultura iraniana e é nesse contexto que o livro tem que ser interpretado.

Quase todo o argumento se centra no problema da perda da virgindade nas mulheres iranianas quando não são casadas, na sua sexualidade que a sociedade reprime e na forma como elas entre si conversam todos estes temas, revelando a hipocrisia social, que é assumida também por elas. A importância de parecer, mais do que ser.

Toda a temática é tratada numa perspetiva humorística, nunca a abandonando e para os leitores da cultura ocidental apenas esse referencial faz sentido. O referencial social dessas mulheres dificilmente é entendível à luz da cultura europeia e, como a autora escreve para europeus , sem dúvida que é o humor que ela pretende fazer realçar. O humor quase sempre nasce de uma situação contraditória entre o a situação real e uma aparente normalidade. É essa contradição que Marjane Satrapi explora com este trabalho. Pretende fazer rir.

Exte livro lido por uma mulher iraniana a viver no Irão, ou um homem iraniano, terá muito provavelmente uma interpretação distinta da que um europeu tão distante desses valores e dessa cultura conseguirá apropriar.

Em síntese, trata-se de um argumento divertido que caricatura um determinado estrato social da sociedade iraniana no que concerne à sua moral sexual. Um grupo de mulheres de diferentes idades que vivem a mesma vida de aparências.

O argumento está muito centrado no texto. Há situações em que o desenho complementa o humor ou acrescenta informação ao texto, mas quase sempre, apenas precisamos de ler o texto, e rir com as contradições que ele sugere.

O estilo de desenho é estranho. Centra-se muito nos rostos, de modo que se perceba a que personagem pertence o texto, sendo as imagens de corpo inteiro reduzidas ao mínimo que o texto exige.

Não existem separadores de vinhetas e os cenários de fundo só muito raramente aparecem. A maior parte do livro é constituído por rostos e texto.

Esta insistência nos rostos deveria levar a autora a fazer uma clara distinção entre todos. Conseguem-se distinguir perfeitamente as personagens que possuem cabelo diferente, mas quando a cor surge negra e a forma semelhante, os rostos ficam muito parecidos, dificultando a distinção de cada uma das mulheres.

Apesar do excessivo texto, é evidente que a autora domina as técnicas da comunicação em banda desenhada e  usa os diferentes planos para conseguir manter a atenção do leitor, que se poderia desligar perante o excesso de palavras.

A extensão do texto necessitava que fosse usado um tipo de letra que facilitasse a leitura. Esta é dificultada não só pelo tipo usado mas também pela sua dimensão, que é muito reduzida.

Não sou apreciador deste tipo de desenho e a autora não reflete ser uma desenhadora de excelência, apenas mostra ser capaz de comunicar bem com a banda desenhada. Um bom desenhador vai muito além de desenhar rostos com diferentes expressões.

A obra apenas usa o preto e branco. Marjane Satrapi mostra-se uma boa utilizadora do negro de modo a evidenciar os corpos e a as suas formas. A cor negra é quase como um relevo que faz a personagem sair do página.

Conclusão

Um bom livro de humor, cuja leitura nos faz sempre estar com ar sorridente. No aspeto sociológico pode servir de arma para quem critica a sociedade iraniana e sua moral sexual de cariz machista. Em termos mais gerais é uma amostra da hipocrisia que normalmente enferma qualquer sociedade.

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