domingo, 3 de janeiro de 2021

Análise crítica: As paredes têm ouvidos


Obra: As paredes têm ouvidos
Título original: Sonno Elefante
Autor: Giorgio Fratini
Editora: Levoir
Introdução: João Miguel Lameiras
Data da Edição: 2020
Álbum cartonado: 112 páginas
ISBN: 978-989-862-855-4
Preço: 10,90 €
Dimensões: 175 x 246 mm

 Análise

A temática do argumento é pouco frequente na banda desenhada publicada em Portugal. Mais estranha se torna quando verificamos que se trata de um autor italiano. São poucos os portugueses que abordam o tema, que daria excelentes argumentos. Não se encontram muitos argumentos que se concentrem na atuação da PIDE e dos efeitos na sociedade e nas vítimas que a sua atuação provocou, Neste livro está tudo, apesar de o autor não ser português.

Todas as situações que envolvem o tema estão expostas. A maldade dos agentes da PIDE, o seu sadismo e a sua ignorância. A ingenuidade das vítimas que nunca esperam ser apanhadas e julgam que no caso de isso suceder serão capazes de resistir a todas as pressões, desconhecendo tudo aquilo a que seriam sujeitas para falar. O desespero dos familiares que não percebem o que está a suceder aos seus entes próximos e nem conseguem obter nenhuma informação do que se passa. Os efeitos psicológicos nas vítimas, após a sua passagem pela tortura e pela prisão. O oportunismo, na maior parte das vezes baseado na ganância, de informadores insuspeitos, que conduziram muita gente à tortura, a maior parte das vezes com informações falsas. A inexistência de ações de justiça sobre esses informadores que causaram mal a tantas pessoas, e que no regime democrático viveram a sua vida como se não tivessem feito nada de criminoso anteriormente.

O argumento é muito bom. Embora o uso dos elefantes o intelectualize demasiado, há que respeitar a opção do autor e não desvalorizar o conteúdo por esse aspeto.

O desenho é a parte mais fraca desta obra. As personagens são desenhadas com traços que por vezes dificultam a sua identificação. Os rostos são demasiados semelhantes para que o leitor rapidamente associe o rosto à respetiva personagem. Mesmo a distinção entre as pessoas de pele de branca e as de pele preta torna-se muito difícil pelas tonalidades que o desenhador usa nos rostos.

Também o desenho dos edifícios, não aparece da forma mais eficaz. Como exemplo está a vinheta da página 21, embora haja outras situações, onde a perspetiva, de baixo para cima, nos apresenta um prédio mais largo na parte superior no que na inferior, o que sendo, o autor um arquiteto, parece estranho. Mesmo que tenha sido esse o objetivo do desenhador, resulta uma aparência estranha.

O desenhador faz um bom uso das vinhetas, usando geometrias diferentes consoante as emoções que pretende transmitir ou as descrições que quer efetuar. Os retângulos verticais, os retângulos horizontais, as vinhetas quadradas, ou mesmo as vinhetas de página inteira, organizam-se de forma coerente, tornando, nesse aspeto, a narrativa fluida. O autor introduz breves sequências de vinhetas sem palavras, ou intercala-as isoladamente entre outras com diálogos. Neste âmbito gráfico talvez o autor se pudesse ter aventurado um pouco mais.

Baseada na imagem e nos balões, as legendas surgem só para localizar a ação, o que é um dos aspetos positivos deste livro. Não há texto em excesso, os diálogos enquadram-se no desenho e o desenho complementa o texto. A esta descrição apenas se retira o prólogo, onde o autor abusa do texto em legendas. Percebe-se a necessidade de fazer o enquadramento da narrativa, mas poderia ter tomado outras opções, talvez, ocupando mais páginas, mas não deixando o prólogo tão distinto da restante obra.

Também o tipo de letra é um elemento que facilita a leitura, não obrigando a concentração exagerada. É feito algum uso do negrito ou de um tamanho maior de letra para expressar algumas emoções, mas nesse aspeto o autor poderia ter ido um pouco mais longe. Alguns diálogos e algumas palavras poderiam ter sido escritos com outros tipos que reforçassem as emoções das personagens.

A onomatopeia, um dos recursos importantes da banda desenhada também é usada de forma clara, transmitindo os ruídos necessários à compreensão da narrativa.

A banda desenhada complementa-se com uma parte de texto, de enquadramento histórico, que se torna importante para um estrangeiro, e também para os portugueses que não vivenciaram ou que já não cruzaram esses tempos.

Conclusão

Obra a ler, principalmente pelo argumento, bem escrito, e raro em relação a tema, na banda desenhada publicada em Portugal. Alguns problemas na parte gráfica, que dificultam a leitura, mas não a desaconselham


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