sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Análise Crítica: Shanghai Dream

 


Obra: Shanghai Dream
Título original: Exode 1938 e À la mémoire d’Illo,
Argumento: Philippe Thirault
Desenho: Jorge Miguel
Cor: Delf
Editora: A Seita/ Arte de Autor
Tradução: Sandra Alvarez
Data da Edição: 2020
Álbum cartonado: 120 páginas; 104 de banda desenhada
ISBN: 978-989-54880-1-8
Preço: 24,00 €
Dimensões: 221 x 293 mm

 Análise

Esta obra Shanghai Dream junta num único volume os dois livros que compunham a edição original: Exode 1938, publicado em 2018 e À la mémoire d’Illo, em 2019. Cada um dos volumes tem 52 pranchas.

O argumento funda-se no exilio a que a comunidade judaica alemã se vê forçada para fugir à perseguição movida pelos nazis, sem, ainda na época, 1938, poder imaginar o que lhe viria a suceder no futuro. Nesse exilio ocorre a separação de um casal: Illo, que escreveu o guião para um filme, e o seu marido Bernhard que tudo fará para conseguir realizar esse filme.

É um argumento onde fica visível a forma como a ideologia nazi mudou a personalidade de muitos alemães, o modo como, apesar da aliança bélica, Japão e Alemanha tinham perspetivas diferentes sobre os judeus, e a violência que os japoneses exerceram em território chinês, a exemplo de todos os outros locais que ocuparam.

Sobre o argumento do filme, que guia o modo como Shanghai Dream se desenvolve, não se sabe muito, não se consegue perceber a sua proclamada excelência nem são muito evidentes as suas características de comédia, embora sejam relatadas pequenas cenas cujo objetivo será provocar a gargalhada.

Se nas suas linhas gerais o argumento é bom, falha nos pormenores: não são bem definidas e completadas algumas das sequências narrativas; demasiada facilidade com que determinadas situações ficam resolvidas num contexto tão complexo.

O primeiro volume tem um argumento mais coeso que o segundo. Toda a história contada no segundo volume merecia um maior desenvolvimento, que talvez exigisse ser narrada em duas partes distintas, permitindo conhecer melhor algumas personagens, que entram e saem quase só para fazer número, e desenvolver melhor a relação entre Lin Lin e Bernhard. Toda a relação se desenvolve de um modo platónico que termina numa felicidade, que foi o caminho mais fácil para terminar rapidamente a história.

Não sendo um mau argumento, até porque do ponto de vista histórico está bem fundamentado, há alguma leveza nas características psicológicas das personagens e no surgimento de saltos narrativos que apressam a ação central do livro.

Este tema, associado aos judeus no extremo oriente durante a II Guerra Mundial, até por não ser muito conhecido, merecia e devia ser melhor desenvolvido.

O desenho é de boa qualidade, embora nem sempre as expressões faciais sejam bem tratadas quando pretendem expressar emoções. Há algum desequilíbrio neste aspeto. Jorge Miguel por vezes retrata muito bem o que sentem as personagens, outras vezes coloca-as com um rosto em que se evidencia desespero ou espanto, quando não há uma emoção deste tipo de modo evidente, seja no texto, seja na ação. Quando pretende que as emoções sejam mesmo patentes, o autor recorre a grandes planos do rosto, que nessa situação ficam bem caraterizados

Ao longo de toda a obra Jorge Miguel não recorre a vinhetas gigantes, mesmo quando pretende ilustrar planos gerais, São muito poucas as vinhetas que ocupam um terço ou um quarto das pranchas. Todas têm uma área menor.

As pranchas encontram-se organizadas de modo muito clássico, com as vinhetas emolduradas e separadas por espaços em branco. São reduzidíssimas as exceções; seja a vinheta sem moldura ou a vinheta sobreposta a outras.

Os símbolos cinéticos e as onomatopeias são recursos que os autores utilizam, de um modo adequado. Surgem quando os fenómenos que pretendem evidenciar são mais relevantes no fluir narrativo.

Para se entender o enredo é necessário ler o texto e observar o desenho o que é um sinal que esse está perante uma narrativa gráfica em que o texto e desenho se complementam e cada um deles isolado não consegue contar a história.

Nas vinhetas associadas ao filme existem legendas que se enquadram perfeitamente no contexto. Nas restantes vinhetas, as legendas, que são reduzidas, têm apenas a função de localizar a ação no espaço e no tempo, permitindo identificar os lugares e o momento em que a ação decorre.

Os cenários são bem trabalhados. Há elementos descritivos no fundo das vinhetas, tornando-as uma leitura visual interessante e demonstrando trabalho por parte do autor, assim como uma eficaz pesquisa sobre os elementos cenográficos associados àquela época na Alemanha e, principalmente, em Xangai.

As cores usadas apresentam tons suaves, não desviando a atenção da narrativa. A opção de apresentar as cenas do filme, sejam elas as reais ou apenas as imaginadas, a preto e branco, permitem que seja possível discernir muito bem as vinhetas que narram a história principal e as que narram o filme.

O livro apresenta no seu interior a capa do segundo volume original, que não foi escolhida para capa desta edição, o que é um elemento que lhe acrescenta valor. O mesmo sucede com a inclusão de um pequeno caderno gráfico, onde o desenhador faz referências à forma como construiu algumas das personagens e se documentou para desenhar uma história de época.

Também não faltam, no final no livro, uns breves elementos biográficos sobre cada um dos autores. Sobre estes, refira-se que Jorge Miguel, não sendo um completo desconhecido, não é um autor muito publicado no mercado nacional, onde se salienta O Fado ilustrado, constituindo uma surpresa este seu surgimento numa edição internacional. Espera-se que se repita a publicação de trabalhos seus. O desenho demonstra qualidade, espera-se que lhe possa surgir um argumento melhor trabalhado, e que ele tente um maior arrojo na ilustração.

Conclusão

Livro a ler, não por ser de um autor português, mas por se bem desenhado e o argumento abordar uma temática rara e bem trabalhada na caracterização histórica.

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