sábado, 27 de fevereiro de 2021

Analise Crítica: A solidão do executivo

 


Obra: A solidão do executivo
Argumentista: Hernán Migoya
Desenhador: Bartolomé Seguí
Editora: Levoir
Tradução: Pedro Cleto
Data da Edição: 2020
Edição original: 2019
ISBN: 978-989-862-872-1
Preço: 10,90 €
Dimensões: 219 x 295 mm
 

Análise

O argumento é uma adaptação de um livro de Manuel Vazquez Montalban, mais concretamente de uma obra da sua série policial com o detetive Pepe Carvalho.

Tratando-se de uma adaptação, não há muito a referir sobre o conteúdo da narrativa, mas apenas da forma como ela se processa nesta forma de a relatar: a banda desenhada.

Já tinha lido algumas obras desta série  de Montalban, mais propriamente quatro, mas nenhuma delas foi a que aqui é analisada. As leituras que fiz de Montalban permitem-me, no entanto, ter uma ideia clara da forma como o autor conta as suas histórias e das principais características psicológicas da personagem Pepe Carvalho.

Essa aspeto da adaptação está bem feito. O Pepe Carvalho de Hernan Migoya, o argumentista, respeita o perfil do detetive e narra no mesmo estilo em que estão escritas as obras de Montalban. Mas se essa similitude é um ponto forte da obra, porque nos aproxima do texto original, poderá também ser o seu ponto fraco. Os livros de Montalban vão muito para além da narrativa policial. Há todo um contexto social e comportamental de indivíduos, os quais, como que por acaso, estão ligados a um crime. O crime quase que é o acessório, para retratar a sociedade espanhola dos anos que se seguem ao fim da ditadura de Franco, neste caso o livro é de 1977.  E fazer essa adaptação não é fácil. Tentar colocar todos esses elementos na adaptação para banda desenhada, acaba, por vezes, por distrair o leitor do seguimento do crime, por lhe colocar dificuldade em enquadrar todas as personagens, que no texto original se espraiam ao longo das muitas páginas e aqui, por vezes, surgem num sucedâneo que torna complexa a sua identificação e ligação ao crime. Ou seja, o argumento é fiel a Montalban e à sua personagem, mas a banda desenhada precisaria de extirpar alguns elementos da narrativa ou então associá-los de forma mais eficaz às características gráficas da obra.

A necessidade de colocar bastante texto na obra levou, por vezes, a dividir por legendas e balões palavras atribuídas à mesma personagem. Como se umas fossem faladas e outras apenas pensadas. No entanto, nem sempre se verifica essa situação. Quer uma forma, quer a outra de escrever o texto, correspondem a palavras ditas.

O desenho segue um traço levemente caricatural que se aceita perfeitamente. Tem também uma boa plasticidade que não transforma as personagens em estátuas, mostrando que existe movimento. Alguns símbolos cinéticos também contribuem para essa sensação de movimento, mas a forma de Bartolmé Segui desenhar quase que os poderia dispensar. Também as onomatopeias surgem de forma regrada no livro. As vinhetas sem palavras são quase inexistentes, o que se transforma, como consequência, numa abundância de texto a que o argumentista teve que recorrer. Tal abundância de palavras não minimiza o desenho, nem transforma a obra num relato escrito ilustrado. A informação que se colhe do desenho é também fundamental. O desenho complementa bem o texto, acrescentando-lhe muitos pormenores que não estão escritos. Nesse aspeto o livro está bem concebido. Há uma articulação e complementação da informação que cada um dos elementos, texto e desenho, fornecem, constituindo-se o conjunto uma boa narrativa gráfica.

O desenhador recorre a várias formas de organizar as vinhetas na prancha, em função do que pretende transmitir. Podem surgir vinhetas dentro de outras e vinhetas com diferentes formas, que indiciam a importância de cada uma delas na prancha.

A grande quantidade de texto acaba por ocultar alguns dos elementos cenográficos, mas mesmo assim é evidente a qualidade desses elementos, alguns deles fundamentais para se perceber toda a abrangência da obra literária original.

Um dos aspetos que os autores poderiam ter melhorado reside na cor. Tratando-se de uma obra que decorre em duas épocas, poderiam os autores ter optado por utilizar tonalidades diferentes, nas pranchas que narram episódios dessas distintas épocas, de modo a serem mais facilmente identificáveis. Também, embora na mesma época, os diferentes locais poderiam ser melhor distinguidos pela diferente paleta de cores a usar em cada espaço. Não foi essa a opção dos autores e a escolha que fizeram não facilita a leitura da obra.

Aplaude-se a inserção do extra em que se relata o encontro de Pepe Carvalho com Biscuter, até porque, de acordo com o texto que acompanha esse extra, é a esta obra de Montalban que pertence o episódio.

Há, no entanto, alguns pormenores que o editor deveria ter acautelado e que não são originais deste livro. Deveriam estar perfeitamente identificados quem são o desenhador e o argumentista. Cada um cumpre um papel diferente na obra e o leitor tem o direito de saber quem é o responsável pelo trabalho que está a ler. Mais uma vez também não é revelado o título original da obra, que é um elemento importante para se perceber se há adulteração da ideia original do autor, ou se houve o seguimento do que este pretendia.

Conclusão

Obra bem conseguida. Trata-se de uma adaptação e é nessa perspetiva que o argumento deve ser entendido. O desenho é de qualidade. A utilização da cor poderia ser melhor.

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