quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Eduardo Teixeira Coelho - centenário do nascimento (9)

ETC - O Caminho do Oriente


No global da obra de Eduardo Teixeira Coelho há quem considere que este é o seu trabalho mais importante, ou até o mais importante da banda desenhada portuguesa.
Não é assunto pelo qual pretenda entrar em discussão, pois está-se num campo de análise muito pessoal.
Esta obra é longa. Possui 331 páginas e 1251 vinhetas. Destas existem 52 ocupando meia página. Uma em meia página vertical e 51 em meia página horizontal. Existem ainda 8 páginas com uma única vinheta gigante.
 
Vinheta dupla

 
Vinheta ocupando a página

 Foi publicada originalmente na revista O Mosquito entre os números 749, de 28 de agosto de 1946, e 905, de 30 de junho de 1948. Quase dois anos de publicação, com quatro páginas semanais, pois a revista era bissemanal. Uma qualidade de desenho elevada face ao ritmo de produção das páginas para publicação.
Há na qualidade do desenho uma evidente evolução ao longo dos dois anos. No início da aventura nota-se que há alguma de carência de elementos cenográficos, face à riqueza que viria a surgir em fase mais adiantada.

Vinhetas cenograficamente pobres.

 Também é visível um abuso por parte de Coelho de vinhetas com grandes planos dos rostos, mais no início da história, talvez porque o desenho fosse feito mais rapidamente, com o autor a dominar bem esta técnica de desenho das emoções nos traços fisionómicos.
O número de vinhetas mais elaboradas, com desenhos mais pormenorizados, também aumentou ao longo da narrativa, com uma reduzida presença de vinhetas duplas nas primeiras 100 páginas do trabalho, onde também não surge nenhuma página com apenas uma vinheta.
Duas vinhetas com grandes planos de rostos ou do rosto e de parte superior do tronco. Simão Infante e Manuel I

Esta banda desenhada possui um texto longo, colocado em legendas no rodapé das vinhetas. Num estilo replicado em mais obras portuguesas da época, mas que estava a ser abandonado noutras áreas do mundo, com a banda desenhada a seguir outros caminhos e a deixar quase em vias de extinção esta forma de fazer banda desenhada. O excessivo texto faz ainda que as vinhetas, na maior parte das situações, ilustrem o texto, reproduzindo as palavras em imagens. Já na época, outros autores, procuravam fazer uma banda desenhada em que texto e desenho se completassem e complementassem, traduzindo informações coerentes e consistentes, mas não criando o repetir da leitura do texto na imagem.
Nota-se que Eduardo Coelho domina bem a outra forma de fazer banda desenhada, tentando sempre que possível, sequenciar a narrativa nas imagens, nas partes em que tem maior preponderância criativa da história,  mas não lhe era fácil fazê-lo, pois acrescia sempre o texto de Raul Correia, que constrói um texto literariamente interessante, mas de caraterísticas menos agradáveis enquanto argumento de banda desenhada.

Conjunto de vinhetas onde a ação é percetível apenas pelo desenho, sem necessidade de texto

A aventura O Caminho do Oriente é baseada numa obra presumivelmente escrita por Álvaro Velho, um marinheiro da expedição à Índia. Raul Correia segue as incidências do texto original, copiando algumas partes para legendar desenhos. A personagem principal é colocada nos eventos descritos no roteiro, mas Raul Correia e Eduardo Teixeira Coelho criaram também novas situações e factos.
A personagem principal, Simão Infante, é uma criança de onze ou doze anos. Nota-se por vezes algumas contradições, no argumento, associadas a esta situação. Simão Infante tanto surge com força física suficiente para enfrentar adultos ou um jovem de dezoito anos, como também acontece que um adulto só com uma mão lhe pega e o transporta pelo ar, com total incapacidade de resistência. Também há alguma incoerência na forma como os acontecimentos são vistos por Simão, com atitudes dificilmente atribuíveis à sua idade.
A narrativa tem no seu início uma voracidade de acontecimentos cujo objetivo é óbvio: prender o leitor á continuidade da história na revista seguinte.
É assim que vemos Simão a querer atravessar o rio Tejo para Lisboa, saberemos mais tarde, que vindo de Setúbal, onde se cruza com Paulo da Gama. Vemos Simão a colocar-se numa situação de luta mal chega a Lisboa, a ser perseguido pelas ruas da cidade, a contar as suas aventuras ocorridas em Setúbal e finalmente a partir para Montemor-o-Novo.
Na descrição da viagem de Vasco da Gama segue-se a ordem cronológica dos acontecimentos, mas criando incidentes que permitem a intervenção de Simão, onde se inclui uma improvável aula de artes marciais. Além destas peripécias há várias páginas onde é cantada uma balada que conta a conquista de Lisboa, episódio da responsabilidade de Eduardo Teixeira Coelho, embora o texto final seja de Raul Correia.
 
Fernão Veloso inicia a sua balda em que relata a conquista de Lisboa

Além de Simão Infante muitas outras personagens cruzam a narrativa. Algumas que tiveram existência física real, por serem bastante conhecidas, outras que se sabe serem ficção, e outras que só os autores nos poderiam informar da sua existência real ou não.
Das personagens com existência real refiram-se, entre outras, Vasco da Gama, Paulo da Gama, Manuel I, Bartolomeu Dias, Pero de Alenquer- piloto da S, Gabriel de Vasco da Gama-, Fernão Veloso, Nicolau Coelho, Afonso Henriques, Samorim de Calecut, Rei de Melinde e o próprio Álvaro Velho.

Vasco da Gama, uma das personagens reias retratadas na obra

Álvaro Velho surge já na viagem de regresso, e depois desaparece, ficando a ideia que teria morrido numa tempestade, mas essa não é a hipótese mais plausível para o que terá acontecido ao autor do roteiro da viagem de Vasco da Gama.
Das personagens de ficção salientem-se João Broa, (criado por Eduardo Teixeira Coelho), Ruy Pedro, Tzerine, Francisco, (um jovem de Cabo Verde), e Frei Padinha, (uma homenagem a um dos homens que escrevia em O Mosquito, José Padinha).
A publicação original foi feita com cor, variável de revista para revista, mas nunca teve direito a qualquer capa nos muitos números de O Mosquito em que foi publicada. Por esse motivo, quando em 1983 o trabalho de Raul Correia e Eduardo Teixeira Coelho foi publicado em seis álbuns, houve que recorrer a algumas vinhetas, que foram coloridas, para produzir as capas das publicações, trabalho que foi feito por José Ruy.
Capa com o trabalho de José Ruy sobre um desenho de Eduardo Teixeira Coelho

1 comentário:

  1. Assinei "O Mosquito" desde os meus 7 anos até aos
    aos 18 ou 19 e recordo-me bem do "A caminho do Oriente"" que penso eu era uma notável BD do ETC mas não a única desse autor que o jornal publicou. Lembro-me ce outra que era um conto retirado creio que do Eça .Dos primeiros tempos recordo os quadradinhos ingleses e umas 'pequenas bandas comicas "Fitas Faladas" e "Pedro de Lemos tenente e no Manel tres réis
    de Gente"e bem queria encontrar esses Mosquitos que devo ter atafulhados num armazém no Algarve estando a viver em Lisboa nestes tempos de "peste": Cumprimentos

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